Eu sei o que você falou no post passado
Anos atrás, um anúncio de jornal chamava para um programa de TV no qual o entrevistador entrevistava entrevistados abastados, bem-sucedidos, medidos pela meritocracia que não julga o mérito de nascer nos Jardins ou no Capão Redondo. Neste anúncio, o título argumentava, criativamente, o que distinguia aquele programa do resto do mundo. Dizia o anúncio de ¼ de página: “O programa dos com-terra”.
Naquele momento, o conflito no campo, a chacina do Eldorado de Carajás (fez 20 anos em 17 de abril), os assentamentos e o MST, revelavam o persistente Brasil coronelista do século XX. Eram os meios tradicionais – TV e jornal- dizendo como as coisas eram (ou não) e como elas deviam ser vistas (ou não). Fora daí, nada a declarar, relembrar ou registrar.
Eu usava este anúncio em palestras como exemplo de que, às vezes, a paixão por uma ideia, apaga o mundo que está a sua volta. Dizia que, independentemente da liberdade do pensamento, do direito à livre expressão, um pouco de sensibilidade humanística e um pouco de discernimento eram como “prudência, dinheiro no bolso e canja de galinha: não faz mal a ninguém”, convocando o cavaleiro do sambalanço, Jorge Ben Jor. Claro que esse dinheiro no bolso citado não chegava nem perto do que o programa e o seu apresentador representavam. Ali tinha que ser muito, muito dinheiro no bolso, senão nem passava na porta.
E hoje? Se a mensagem desse anúncio estivesse num post patrocinado no Face? Passaria impune? Seria visto apenas como uma oportunidade (caso o tema da disputa de terras estivesse na pauta da grande imprensa)? Quem em sã consciência, aprovaria a mensagem, na premissa de que é apenas uma “brincadeira criativa”?
Como eu perguntei, eu mesmo respondo, de trás para frente.
Sim, mensagens como essa ainda acontecem, em outro tom, com outras tintas, atualizadas para o tempo presente e com a mesma insensibilidade do passado.
Sim, ainda sim. A oportunidade faz o ladrão: esqueçam a razão e publiquem a piada, doa a quem doer.
Não, não passaria impune. O digital é um ambiente aberto. O que difere a “brincadeira criativa” de ontem, da de hoje, é que ela nunca mais se apaga nem as reações a ela. E não há aqui nenhuma defesa ao “politicamente correto”, pois muito discurso incorreto se esconde atrás dele.
O homem de comunicação tem tanta responsabilidade quanto um presidente com dedo nervoso. Ele pode ser tão explosivo quanto; pode ser tão devastador quanto; pode ser tão inconsequente quanto. Ideias vêm com responsabilidade. Ditas ou escritas nas redes, viram pautas.
Não há novidade nisso. Está mais que falado e sabido da força das redes sociais. Um ser incontrolável, insensato, cego de paixão, que expõe hoje, o que somos ou o que queremos aparentar ser.
Se não pelos motivos que a consciência do mundo a nossa volta nos impõe e porque, como publicitários, somos corresponsáveis pelo patrimônio das marcas, vale lembrar que toda piada deve ser levada a sério. Antes, porque já devíamos. Hoje, porque pode ter volta.
E aqui para nós: nem era um grande título assim.