Tá certo disso?

Fake news, pós verdade, sociedade rachada, Fla X Flu político. O que une e separa todas estas coisas é a nossa capacidade de processar conhecimento.

A enorme maioria das coisas que a gente faz e acredita está baseada em informações superficiais. Avalie o que você conhece profundamente e como este seu conhecimento te dá capacidade de entender opiniões equivocadas. Se você compreender isso, você vai perceber a quantidade de bobagens que você pode estar dizendo e pensando neste momento.

Vou explicar um pouco mais. Se você é médico, quando escuta crenças populares sobre saúde, sabe o quanto de equívoco é produzido pelo ser humano, neste campo que você domina. Se você é jurista, quando escuta comentários e o próprio povo debatendo as questões jurídicas, tão na moda ultimamente, você ri por dentro, porque sabe que as coisas não são exatamente assim. Até em futebol, se você é um profissional da área, sabe o quanto de observações equivocadas circulam neste ambiente. Assim é para tudo. O pedreiro sabe mais que todos nós sobre subir paredes; o eletricista, sobre instalações de disjuntores; o físico nuclear, sobre energia atômica; o músico, sobre hamonia, melodia e ritmo; assim por diante. Especialidades mais sofisticadas ou mais operacionais, tanto faz. Todas dependem de processamento de informações e armazenamento na cabeça de cada indivíduo. Um somatório de tempo dedicado, talento e organização da memória. Se você compreende tudo isso, o quão superficial nós somos na maioria das coisas, você é capaz de ter uma ideia de que, na maioria das vezes, quando você configura uma opinião sobre um assunto que não domina, você tem uma enorme possibilidade de estar produzindo uma análise ignorante – de quem ignora os detalhes do assunto.

Então, baixa a bola, eu e você temos mais opiniões erradas do que certas.

Mas a gente tem crenças. Crenças que são consequências da nossa personalidade, do nosso caráter e da nossa própria história. A gente torce para que nossas crenças sejam certas, mas, como somos superficiais na maioria dos temas, consequentemente também acreditamos em coisas erradas; entretanto, a gente quer que nossas crenças sejam certas. Natural. Torço para que tudo que estou escrevendo aqui não seja uma enorme bobagem, ignorância. Mas o fato é que corremos para divulgar, compartilhar aquilo que reforça nossas crenças. Porque queremos estar certos e não errados.

Aí é que tudo que cito no primeiro parágrafo se mistura. A pós verdade não precisa ser necessariamente uma verdade, desde que ela confirme uma crença. As fake news são fabricadas para reforçar conceitos e fazer com que pessoas compartilhem, porque isto reforça suas crenças. O filter bubble (que é aquela demonstração do Eli Pariser, de que os algoritimos fazem com que recebamos notícias parecidas, sintonizadas com nossos perfis) nos faz receber notícias verdadeiras, falsas e pós verdade sempre sobre um mesmo ponto de vista, amplificando nossas crenças superficiais. E o próprio filter bubble produz grupos com visões diametralmente opostas, gerando sociedades rachadas e o Fla x Flu político que assistimos todos os dias. Isto é, se eu recebo sempre mensagens a partir de um mesmo ponto de vista e você recebe mensagens completamente opostas, estaremos em lados diferentes naquele determinado tema.

Como tenho tentado ficar neutro nas redes sociais, especialmente com relação à política, é comum eu ler de determinadas pessoas “não é possível que eles não vejam que são todos bandidos” e, de determinadas outras “não é possível que eles não percebam que é tudo manipulação, golpe”. Os dois grupos tem certeza absoluta de teses diametralmente opostas. Porque leem cada vez mais sobre os seus pontos de vistas. Porque recebem fake news e pós verdades focadas nas suas crenças. O curioso deste fenômeno é que uma verdade que contrarie sua tese pode ser vista por você como fake new. E a mentira que reforça sua crença, vira verdade na hora. Interpretação por conveniência. Produto dos nossos tempos.

Isto reforça a necessidade de olharmos com profundidade para a importância do jornalismo, do produtor de notícias que precisa passar credibilidade. Eu acho praticamente impossível um jornalismo factual. Jornalistas também são pessoas, com crenças e superficialidades. Igualzinho a todo mundo; entretanto, é obrigação das grandes marcas da imprensa criarem processos investigativos que deem profundidade na análise de cada assunto. As grandes marcas da imprensa, sempre foram vitais para a formação do caráter das sociedades em que estão inseridas. Nestes novos tempos, das danças da redes sociais, nosso mundo precisa de uma imprensa ainda mais criteriosa, mais profunda, mais crítica, com necessidade de apresentar sempre lados opostos de um mesmo assunto. É vital que a sociedade perceba que precisa de marcas sérias de mídia para avalizar ou desmoralizar o que circula nas redes. E é vital que estas marcas tenham independência de fato. Pra que estas coisas aconteçam, a publicidade exerce um papel fundamental para a sustentabilidade independente dos veículos. E para própria liberdade individual, consequentemente.

De qualquer forma, eu sonho com o dia em que cada um de nós seja mais criterioso no compartilhamento de informações, que tenhamos consciência da superficialidade de nossas opiniões. Que sejamos críticos com tudo que recebemos. Especialmente com as coisas que reforçam as nossas teses.

E você? Acredita no quê?