“Viver é coisa que dá e passa, o importante é amar.”
Vive o dia a dia “sedutor e caótico” da publicidade e a realidade apaixonante, mas também se sente repleta de ansiedades da carreira de cantora e compositora. Dividir o tempo entre duas atividades tão demandantes foi mais uma contingência do que escolha, mas hoje ela reconhece a rica troca criativa entre ambas e admite que se identifica com os desafios inerentes. Entre as muitas entregas de fim de ano na Binder e os ensaios de um novo show (no qual vai cantar o repertório de Gal Costa), ela conseguiu bater um papo conosco.
Música ou publicidade? Qual o seu lado A, qual o seu lado B?
Lu – Ótima pergunta, mas também meio capciosa, né? Se eu responder a verdade, meus chefes da Binder podem ficar chateados (risos). Mas, brincadeiras à parte, o meu lado A, de alma, sempre vai ser a música. A música é o que realmente me toca, é o ar que eu respiro, costumo dizer. Enfim, é o que de fato me dá mais prazer no mundo. Mas a publicidade entra aí como o lado A possível.
Não digo isso de maneira pejorativa de modo algum. É uma profissão que eu gosto muito, escolhi fazer isso. Antes de largar meu trabalho como redatora e como profissional de comunicação em 2010 para poder só cantar, eu sempre gostei muito de trabalhar com publicidade, principalmente na criação, que é escrever criativamente. Então, de certa forma, estou sempre envolvida com esse processo criativo, seja no canto, seja na redação. A publicidade me realiza também muito, me instiga, me desafia. Eu sou essa pessoa dos desafios – se não fosse, não teria escolhido cantar. Quem escolhe essa carreira precisa, no mínimo, gostar de grandes desafios na vida.
O que mais te atrai no trabalho com criação publicitária?
Lu – Eu gosto desse desafio constante: será que vai dar? Será que a gente vai conseguir entregar? A gente tem um problema e precisa de uma solução o tempo todo, várias vezes por dia, dependendo da conta do cliente. Isso é desesperador, mas também é tentador, muito instigante, porque você vai ao seu limite. Às vezes, escrevo para três ou quatro contas diferentes em um dia, com temas completamente distintos. E você pensa: “Caramba, que loucura!” Isso é algo que acho muito bacana. Sedutor e caótico ao mesmo tempo.
Falando em campanhas publicitárias, alguma marcou muito você?
Lu – Ah, cara, tanta coisa. Penso muito nos comerciais antigos que me marcaram. Um clássico dos clássicos, que acho que nós mulheres nos identificamos muito, é o “Meu Primeiro Sutiã”. Não me lembro bem de qual marca era, mas isso me marcou muito. Outro exemplo são os comerciais da Bombril, com aquele cara maravilhoso. E as Havaianas, com seus textos criativos e suas piadas cheias de bom humor. E, claro, o “Não é assim uma Brastemp”. Acho que esse é um dos maiores slogans de todos os tempos! Usamos isso até hoje para qualquer coisa que não seja tão boa. Acho que essas campanhas são exemplos perfeitos de como a publicidade pode ser genial.
Como a rotina louca da publicidade afeta a vida da artista?
Lu – É exaustivo, não vou mentir. Publicidade é algo que te suga, tem prazos, pressão e a necessidade de ser criativo o tempo todo. E a música traz outra ansiedade – será que vou conseguir vender shows? Será que as pessoas vão gostar? É uma mistura constante de angústia e ansiedade, mas, de certa maneira, uma complementa a outra. A escrita criativa que uso na publicidade me ajuda nas composições e, por outro lado, compor me mantém afiada na escrita.
E como a boemia da artista pode onerar as entregas da publicidade?
Lu – Olha, confesso que a boemia da artista não se mistura muito com a minha vida publicitária. Meu plano A hoje é a publicidade. Não posso deixar meus compromissos como artista atrapalharem minhas entregas publicitárias. Consigo administrar meu tempo para ensaiar ou fazer shows à noite, mas minhas entregas na Binder são prioridade. Eu posso chegar em casa às três da manhã, mas, no outro dia, estou de pé para trabalhar. Não é mais como quando tínhamos 20 anos e não existia ressaca. Agora a gente fica com “dengue” por falta de sono (risos)!
O “e” no lugar do “ou” é escolha ou circunstância/necessidade?
Lu – Foi realmente por circunstância e necessidade. No início, quando voltei a trabalhar como redatora, há dois anos e meio, senti certa frustração por não conseguir viver só de música. Trabalhei muito isso na terapia, porque, no começo, foi difícil aceitar que eu poderia ser mais de uma coisa. Hoje vejo que essa é uma bobagem imensa. Nós somos muitos. E, embora tenha sido um processo, eu me sinto confortável e saudável em ser multifacetada. Só preciso controlar minha ansiedade e gerenciar melhor meu tempo.
Como você entrou na música?
Lu – Acho que nunca “entrei” na música, ela sempre esteve dentro de mim. Minha família é muito musical. Meus avós e tios maternos portugueses cantavam o tempo todo. Minha mãe também tem alma artística, embora nunca tenha cantado profissionalmente. Ganhei um violão aos 15 anos, comecei a tocar na igreja e todos comentavam: “Nossa, você canta muito!” E aí, aquela coisa de vestibular, né? Comunicação ou música? Trabalhei na Petrobras e fazia aula de canto mais seriamente. Até que resolvi aceitar esse chamado. Porque, para mim, música é um chamado. Se eu não cantar, eu morro. Passei dez anos cantando e compondo, e durante a pandemia voltei para a publicidade por necessidade financeira.
Qual é o próximo projeto como cantora?
Lu – Meu próximo projeto é um show inédito em homenagem a Gal Costa. Sempre amei Gal, uma das minhas grandes inspirações, ao lado de Elis, Bethânia e Elza Soares. Quando Gal faleceu, no ano passado, foi um choque para mim. Logo após sua morte, fiz um show improvisado com um setlist inteiro de músicas dela. Foi emocionante. Decidi fazer um show completo em sua homenagem. Vai acontecer no dia 10 de outubro, no Dolores Club, com um trio incrível de músicos. Depois disso, vou tirar umas férias em Portugal!
Que conselho você daria para alguém que, como você, planeja se lançar numa jornada dupla, ou tripla, ou multifacetada no plano profissional?
Lu – Difícil dar conselho, né? Como dizem, se conselho fosse bom, a gente vendia. Mas, se você faz algo com amor e sabe que é bom nisso, eu diria: se jogue! Se realmente acredita no seu talento e pode fazer algo que te dê retorno financeiro ou satisfação pessoal, vá em frente. Mas não se esqueça de cuidar de si mesmo. Não dá para viver só de trabalho. Ame o que faz, mas ame também as pessoas à sua volta, porque a vida passa. Como diz uma letra minha: “Viver é coisa que dá e passa, o importante é amar”.