“Estamos apreensivos para além da nossa vida, com a da Terra inteira, que corre risco de entrar em caos. Os brancos não temem, como nós, ser esmagados pela queda do céu. Mas um dia talvez tenham tanto medo disso quanto nós.” (Davi Kopenawa*)
O mês de maio começou com a maior catástrofe climática do estado do Rio Grande do Sul e uma das maiores da história do país, ofuscando qualquer outra discussão. É impossível não se sentir responsável, questionar comportamentos e refletir com mais profundidade e complexidade acerca do futuro.
Velho conhecido nosso, o tema do aquecimento global está na pauta das discussões internacionais há muitos e muitos anos. No entanto ainda vem sendo tratado como um fenômeno distante do dia a dia da grande maioria das pessoas e das empresas. Nos mais recentes eventos de inovação dentro e fora do Brasil, o tema da inteligência artificial e seus reflexos na vida das pessoas e nos negócios das empresas superou as discussões de ordem socioambiental. Parece que as importantes questões socioambientais não fazem parte do Hype Cycle.
O fato inescapável é que precisamos, todos, sobretudo as lideranças empresariais e de marcas, ser muito melhores. Se a ética é um dos grandes temas do momento quando se discute o uso responsável da inteligência artificial, a ética precisa permear todas as dimensões a respeito do tema ESG. É preciso ir muito além da ideia de polir reputação de marca, ou de criar “vantagens competitivas”. O jogo mudou. Não se trata mais de imagens de geleiras desmoronando no distante ártico, mas de efeitos concretos e dramáticos afetando a vida cotidiana de milhares de pessoas. Bem aqui diante de nós. A palavra responsabilidade traz em si a solução: responsabilidade é a habilidade de oferecer respostas aos problemas que se apresentam. Nunca precisamos tanto de uma liderança responsável.
No último SXSW, o cineasta Daniel Kwan sugeriu que se criem novas narrativas, abandonando as “narrativas dominantes”, a partir de uma nova compreensão do que é progresso. Em um dos palcos da última Rio Innovation Week, o cientista Marcelo Gleiser sugeriu que no lugar de gastar dinheiro para ir a Marte, investimento melhor seria salvar este planeta aqui, a Terra.
“Estamos no momento no qual as marcas idealistas, que têm visão de mundo, que podem discutir para além do seu campo, ganham ainda mais relevância. Cada marca precisará desenvolver a sua parcela idealista, se quiser manter-se relevante ou viva. Precisarão desenvolver um olhar para as pessoas, entender de pessoas, procurar melhorar a vida das pessoas, entendendo que as pessoas não estão isoladas do meio em que vivem, não há pessoas dissociadas da natureza, somos parte dela.”, afirma Lucas Daibert, VP de Estratégia da Binder.
Não por acaso, abrimos esta reflexão com as palavras de um pensador Yanomami. É hora de, assim como Davi Kopenawa, temermos a queda do céu, mas, mais que isso, trabalhar para que ela de fato não ocorra. O futuro é ancestral, como propôs outro pensador genial, Ailton Krenak**, nos lembrando que a verdadeira inovação talvez esteja em pensar o futuro a partir da (re)conexão da humanidade com suas raízes culturais e históricas: “Os rios, esses seres que sempre habitaram os mundos em diferentes formas, são quem me sugerem que, se há futuro a ser cogitado, esse futuro é ancestral, porque já estava aqui.“
(*Davi Kopenawa Yanomami é um escritor, ator, xamã e líder político Yanomami. Atualmente, é presidente da Hutukara Associação Yanomami, uma entidade indígena de ajuda mútua e etnodesenvolvimento.)
(**Ailton Krenak é líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta, escritor brasileiro da etnia indígena krenaque e primeiro indígena eleito Imortal da Academia Brasileira de Letras.)