“Agregar vivências no time é trazer para dentro da agência outros universos.”
Baiano, formado em Publicidade e Propaganda pela Universidade Católica de Salvador, Rodrigo Soares começou a carreira como redator, em 2002. De lá para cá, passou por agências como Única, Eugenio, Engenhonovo e Leiaute. Atendeu diversos clientes do segmento público e privado, regionais e nacionais, participando de grandes campanhas e conquistando prêmios e destaques importantes dentro e fora do País. Desde maio de 2023, dirige a criação da Binder, unidade Brasília.
Rodrigo, como você enxerga o impacto da tecnologia – e em especial da IA – na área de criação publicitária?
Rodrigo – Com entusiasmo e cautela, eu diria que as novas tecnologias com Inteligência Artificial, especialmente as generativas, estão transformando completamente nossa forma de trabalhar em Criação. Se antes um criativo, na direção de arte, por exemplo, precisava dominar os recursos do Photoshop e as ferramentas gráficas para chegar a um bom layout, hoje ele consegue ter bons resultados dominando um prompt. E tem prompt para tudo, automação para quase tudo, saída para bastante coisa. O caminho é, de fato, dominar as plataformas e ir experimentando, se desenvolvendo e observando como ela pode ajudar em nosso trabalho. Mas sempre com cautela, já que a IA pode ir substituindo (ou ao menos facilitando) parte da transpiração, mas não da inspiração. Uma boa ideia, bem pautada no momento e no negócio do cliente, ainda é o nosso grande filão.
Como você orienta a equipe a equilibrar o uso de ferramentas tecnológicas com a necessidade de criar campanhas autênticas e emocionalmente impactantes?
Rodrigo – Tratando a IA como um facilitador para o meio, não para o início. Quando a ferramenta é usada como ponto de partida para uma criação, uma concepção ou um caminho, a gente já começa perdendo na originalidade e no impacto emocional. Manter os starts em nossa cabeça, utilizando a tecnologia quando necessário para ajudar a dar forma ou apresentar as nossas ideias, é o que nos diferencia. E, de certo modo, também o que nos mantém relevantes para os nossos clientes.
Você tem algum exemplo de campanha em que a tecnologia foi usada de maneira inovadora sem perder a essência criativa?
Rodrigo – A recente campanha que envolveu o McDonald`s e o Burger King, utilizando o ChatGPT, é um ótimo exemplo. A “ferramenta do momento” foi empregada para chancelar a posição da marca, mostrando que seu produto é tão consolidado que todo mundo reconhece (até uma ferramenta de IA)… e, na sequência, a principal concorrente usa o mesmo formato para rebater, destacando outra vantagem do seu produto que, para muitos, será até mais interessante.
Quais são os principais desafios que você vê para os criativos em agências hoje?
Rodrigo – Acompanhar as mudanças nos meios e no consumo. Em agências que atendem no formato 360, manter as propostas sempre relevantes não é fácil. O criativo, além de investir sempre em aumentar o repertório e dominar as técnicas do ofício em si, precisa ter vivência (ou no mínimo interesse) em tudo que pode ser usado como meio. E eles mudam praticamente toda semana: no formato, no perfil dos conteúdos, nas secundagens, nas plataformas, no que é moda ou tendência… e isso não acaba quando a campanha sai. Tem que acompanhar, monitorar, ver o que deu certo e o que precisa melhorar na próxima. Sem estar sempre ligado, de um ano pro outro, o cara fica comoditizado nas entregas e nem percebe.
O trabalho remoto em criação veio para ficar? Qual o modelo ideal, na sua visão?
Rodrigo – Eu acredito no híbrido. O trabalho 100% remoto deixa alguns vácuos sociais, na operação do dia a dia e em momentos importantes com o cliente. E o 100% presencial gera limitações e reduz a eficácia de alguns momentos criativos. O híbrido possibilita esse equilíbrio, tanto pro gestor quanto paras as equipes. Você pode contratar uma pessoa que tem o perfil certo, mas não mora em sua cidade… pode dividir os trabalhos de forma mais eficaz, mas isso também exige mais sistema, mais organização, mais reuniões, menos momentos de convivência e por aí vai. Mas, no geral, se bem administrado, acredito que o formato híbrido traz mais recompensas.
Há lições específicas que você aprendeu ao trabalhar em campanhas públicas que se diferenciam das experiências com clientes privados?
Rodrigo – Acho que as campanhas públicas exigem da gente um nível a mais de responsabilidade. O cliente do seu cliente muitas vezes nem o escolheu, mas será igualmente impactado por nossas campanhas. O dinheiro precisa ser gerido com ainda mais senso crítico, pois ele tem muitos donos, e o impacto do que se coloca na rua é maior, mais imediato. Um cliente privado costuma permitir que se voe mais alto, mais longe, mas um cliente público exige mais domínio sobre a técnica do voo.
Quais critérios você utiliza ao selecionar profissionais para trabalhar com você? O que considera essencial em um criativo?
Rodrigo – Além dos skills básicos, como ser criativo, responsável e saber trabalhar em equipe, atualmente tenho incorporado mais dois pontos em minhas avaliações de potenciais colegas de trabalho. Primeiro, a busca por repertório. Para mim, não há nada mais equivocado do que criativo que só consome criação publicitária, não se interessa por mais nada, não tem hábitos fora da propaganda, não entende que a vida e as pessoas alimentam o nosso trabalho, nunca o contrário. E segundo, e talvez o mais importante, ser uma boa pessoa. Na minha estrada como gestor, descobri que isso é tão ou até mais importante do que a entrega em si. Faz uma diferença gigante, em tudo. Na hora de contratar, tem que ficar atento se aquele indivíduo, além de um ótimo criativo, também é uma ótima pessoa.
Como a diversidade dentro de uma equipe criativa impacta o resultado final das campanhas?
Rodrigo – Impacta 100%. Conseguir isso não é tarefa fácil, claro, porém, quanto mais plural e diversa for a equipe, mais completas e redondas serão as entregas. Não só por ampliar os lugares de fala ou as expertises, mas, sobretudo, por ampliar as discordâncias e as opiniões complementares. Por mais que nosso ofício nos provoque a imaginar um pouco como pensa ou se comporta cada perfil de pessoa, não temos aquelas vivências. E isso faz diferença. Agregar vivências no time é trazer pra dentro da agência outros universos. É sair do “imaginar” para o “conhecer”. E algumas campanhas só funcionam com esse ingrediente.
Você atuou no Clube de Criação da Bahia, o CCBA. Como enxerga a entidade de maneira geral e que papel ela deve ter no mercado?
Rodrigo – Um clube de criação atuante faz bem ao mercado. E o impacto positivo sempre vai muito além da criação. Os anos em que estive à frente do CCBA foram muito especiais. Apesar de o Clube existir há bastante tempo, ter tido outros presidentes e tudo mais, nunca havíamos registrado em livro o que de melhor tinha acontecido naquele ano no mercado, por exemplo. E, na minha época, conseguimos realizar o primeiro Anuário de Criação da história da Bahia. E mais dois vieram depois, sempre acompanhados de eventos de conteúdo, festas de integração e premiação. Tínhamos alguns dos maiores nomes da propaganda brasileira em nosso júri ou em cima do palco compartilhando insights com a gente. Foi uma crescente para as agências e os profissionais, e acho que um clube de criação tem exatamente esse papel.
Qual a sua visão dos prêmios? Em que medida eles continuam fomentando o mercado, impulsionando carreiras e atraindo novos talentos para a profissão?
Rodrigo – Não tem criativo que não goste de prêmio, é verdade. É legal, dá aquela valorizada na pessoa, na autoestima… projeta para o mercado. Porém, para mim, já há muitos anos, prêmio bom é prêmio legítimo. Muitas vezes uma agência ganha prêmio por um trabalho que nunca existiu, de fato, um problema ou uma campanha que aquele cliente nunca pediu. E, às vezes, nem aquele cliente existia realmente. Esse formato até pode fazer sentido para alguns grandes conglomerados de propaganda, que atuam a nível global e tudo mais (e que tem nessas premiações chancelas e metas para muita coisa), mas não deveria ser a realidade de agências que não estão nesse mesmo degrau. Não há nada mais gratificante do que ser premiado por um trabalho que nasceu com um propósito real, passou por todas as etapas na agência, com o cliente e com o público, e depois brilhou na rua. Esse sim é o prêmio de responsa.
A criação publicitária hoje concorre com inúmeras novas profissões e perdeu um pouco da atratividade especialmente ao longo da última década. Qual a sua visão disso e como atrair novos talentos para a área?
Rodrigo – O mundo e as pessoas foram mudando, a publicidade precisou acompanhar, e assim deixou de “flertar” com a arte e passou a ser mais business. Com isso, perdeu o glamour para muita gente. E passou a exigir mais entendimento também, mais integração ao cliente e aos novos setores. O resultado é óbvio: mais estresse, mais carga horária, mais responsabilidade, mais exigências quanto à reciclagem pessoal e mais obrigações com o trabalho coletivo… a nova geração parece não estar muito disposta à maioria desses pontos. E não tem errado ou certo nessa história, são visões de mundo diferentes mesmo. Se pensarmos bem, a publicidade era mais genérica antes e, com o passar do tempo, foi se desdobrando. Surgiram especialidades que viraram novas funções, serviços de apoio que viraram empresas, até spin offs que mudaram o negócio principal. E, talvez, agregar talentos e métodos de trabalho que venham dessas derivações, colocando o novo de volta para dentro da agência, seja um bom caminho para atrair novos talentos para a área.
Qual o seu conselho para quem gostaria de trabalhar em criação publicitária?
Rodrigo – Entenda que vai trabalhar bastante se quiser chegar lá, porque realmente é mais transpiração do que inspiração. Tenha sempre a cabeça e o coração abertos para tudo, porque esse é o bom da vida (e o que te fará bom na profissão). E seja inquieto, busque sempre aumentar o seu repertório. Entender além do óbvio, ter interesse nas pessoas, nas coisas da vida, estar sempre disposto a aprender ou conhecer alguma coisa nova é o que na real faz a diferença na hora de ser um criativo publicitário.