Depois de rodar algumas capitais levando seus insights sobre os principais eventos de inovação realizados este ano, a Binder promoveu seu encontro no Rio, no novo centro de inovação do Senac RJ, Cápsula. Casa cheia e expectativa no ar, o principal host do evento, Lucas Daibert, sócio e vice-presidente de estratégia da agência, abriu o dia apresentando tendências e recados observados especialmente no SXSW e no Web Summit Rio, trazendo temas como a imortalidade e o transhumanismo pela perspectiva do ex-CEO da Microsoft, conselheiro de Bill Gates e futurista Ray Kurzweil (autor de “The Singularity is Near”), até reflexões sobre o futuro do trabalho, a provável falência da lógica departamentalizada e a possível fluidez nas habilidades necessárias para atuar dentro de uma empresa.
Não se trata mais de controlar quem usa ou não o chat GPT para o estudo, observou Lucas, mas de repensar também o modelo escolar conteudista, e considerar que no futuro haverá tarefas que humanos deverão realizar valendo-se da Inteligência Artificial, outras que somente a IA dará conta (e isso é muito bom para nós, humanos), e outras que somente nós, humanos, daremos conta.
Em pouco tempo estaremos todos dotados deste “superpoder”. E superpoderes, como sabemos, podem ser usados para melhorar a vida e também para o equívoco. O mau uso da tecnologia é nosso velho conhecido, e agora, com a IA, se espalha exponencialmente a partir dos vieses preconceituosos, dos deep fakes cada vez mais sofisticados e acessíveis, até as muitas possibilidades de aplicação no aprimoramento de máquinas de matar, como os drones assassinos já utilizados nas guerras do nosso tempo.
O que nos une, enquanto seres humanos, são as narrativas e as histórias compartilhadas, e é preciso “criar uma nova narrativa”, como sugeriu, lá em Austin, o diretor, produtor e roteirista de cinema Daniel Kwan, famoso pelo premiado “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, trazendo a ideia de que precisamos desviar das narrativas impostas pelos “donos do poder”.
“O momento é das marcas idealistas”, concluiu Daibert, propondo que as marcas, com sua potência de reverberação, ajudem a construir narrativas mais positivas no mundo, defendendo, por exemplo, seus propósitos e fomentando ideias construtivas e regeneradoras. Porque, como disseram AS cientistas (e o corretor do Google segue tentando transformar o AS em OS) da NASA que estiveram presentes, remotamente, no SXSW este ano, trazendo uma surpreendente perspectiva, “a terra é menor e mais frágil do que parece”.
Toda a conversa sobre tendências, inovação, propósito e construção de novas narrativas ganhou nuances ainda mais interessantes no bate-papo que reuniu Jamela (embaixador e professor da ONG Diversigames), Babi Bono (jornalista, criativista e fundadora de Lemme.Cria), Lívia Marques, diretora de comunicação da Oi e o diretor de conteúdo da Binder, Gustavo Portela, que se encarregou de fazer boas perguntas e “amarrar” o bate-papo. A intenção era exatamente pensar tendências pela perspectiva da realidade brasileira, especialmente aquelas “fora das bolhas”.
“Hoje, a responsabilidade está muito mais nas pessoas por trás das marcas, que precisam se valer do seu conjunto de valores reais para que essa era digital tenha mais dignidade, humanidade, transparência, responsabilidade”, foram as palavras com que Lívia, da Oi, abriu a conversa.
Babi Bono, que trabalhou em diversas empresas (principalmente agências de publicidade) e sempre foi “a menina do digital”, conta que passou os últimos 20 anos procurando ajudar marcas e organizações a criarem narrativas “para além da narrativa promocional que a publicidade traz”. “Continuo ajudando as marcas das organizações como estrategista criativa, mas decidi colocar essa criatividade a favor das transformações que eu acho que a gente precisa ver no mundo. Porque por mais que tudo o que foi mostrado hoje aqui seja interessante, com ideias que já estão pensando em 2050, há uma urgência que é 2030. Há um mundo que não fica de pé se a gente não atentar agora para a urgência de algumas verticais. E há uma inovação que está sendo pautada há muito tempo pelas periferias e pelas favelas e pela nossa realidade aqui”, destacou.
Jamela, da Diversigames, é um bom exemplo de uma geração Z que está fazendo acontecer.
“A gente está tentando fazer o nosso, para poder mudar a realidade”, disse.
Mas como posicionar o Brasil como protagonista na cena da inovação, sabendo que há tanta inovação sendo feita aqui e agora? Babi sugere a descentralização de investimentos em tecnologia, que hoje estão concentrados em alguns poucos nomes, quando se pensa em inovação nas periferias. E provocou a plateia: “Fechem os olhos e pensem: se vocês tiverem que trabalhar hoje com inovação em periferias, com quem vocês trabalhariam? Eu tenho certeza que vocês vão citar, no máximo, três nomes e eu sei quem são. Precisamos descentralizar o olhar, descentralizar o investimento. Tive essa conversa no SXSW com empresários e líderes da indústria, fiz um pitch sobre o meu projeto Conecta Cria lá, e existe uma agenda de quem está com a caneta na mão e que não vai mudar até 2030. E a agenda está, em sua maioria, nas mãos de homens brancos. Proponho um letramento social, racial, econômico, porque só assim a gente vai conseguir se conectar com o resto do Brasil.”, defendeu.
Jamela destacou o papel dos jogos eletrônicos como ferramenta de educação e emancipação financeira, uma vez que diversas profissões foram criadas a partir do universo dos games.
“O projeto Diversigames tem o objetivo justamente de descentralizar: descentralizar esse conteúdo, descentralizar o conhecimento, descentralizar o capital que hoje é originado nos jogos eletrônicos, para a periferia, para as comunidades, para as pessoas que não têm acesso à tecnologia. E tenho uma crítica que eu estou segurando aqui: estamos tão assustados com a inteligência artificial, mas há jovens na periferia que não sabem o que é um computador até hoje. A sensação de ser passado para trás pela tecnologia já é sentida por milhões de pessoas, ano a ano. Não sei quantos de vocês têm a oportunidade de ter contato com essas pessoas e entender como elas se sentem.”, observou.
Livia, da Oi, concordou que é preciso horizontalizar o acesso à tecnologia de uma maneira geral, especialmente o acesso aos dispositivos. “Porque uma vez com acesso aos devices, fica mais fácil transformar todo o resto”, lembrou Babi.
Fica a mensagem sobre o que significa o “Brasilcentrismo”: olhar para nós mesmos, valorizar o que temos. Jamela lamentou que tenha precisado ir para o maior festival de inovação do mundo como palestrante, para “receber elogios em outro idioma” e entender que estava fazendo algo realmente diferente.
“Eu precisei alcançar esse ápice pra entender que, na verdade, o ápice já estava sendo feito aqui. Nós só precisamos de nós, segundo a letra de uma música do Filipe Ret, que faz sentido mencionar aqui, agora. Já somos a inovação que precisamos.”, concluiu.
A mensagem final de toda essa conversa passa por todo um conjunto de escolhas importantes, que precisam ser feitas, continuamente, pelas pessoas “que têm a caneta nas mãos”, como se diz, levando em conta a riqueza de possibilidades que existem aqui mesmo, no Brasil. E voltamos à ideia de transformar narrativas, de Daniel Kwan, mas proposta há bem mais tempo pela escritora Chimamanda Ngozi Adichie, que há mais de uma década falou da importância de se evitar uma “história única”. E é da boa mistura de olhares – de fora e de dentro -, que pode resultar, invariavelmente, um novo (e melhor) futuro.