No ano passado, no Cannes Lions, no sul da França, o CEO da DDB Worldwide, Andrew Robertson, fez uma defesa ao humor na publicidade. Provou sua tese de que as marcas que se propõe a fazer um mundo melhor devem fazer as pessoas rirem, com dados: não chega a ser uma novidade que as pessoas lembram mais de comerciais engraçados, e costumam preferir marcas que se valem do humor na comunicação. O argumento de Robertson ressoou e levou o maior festival de criatividade do mundo a lançar, este ano, uma nova categoria dedicada a celebrar o uso do humor, dentro da seção “Cultural & Context”.
Marcos Apóstolo, sócio e vice-presidente de criação da Binder, que assistiu à palestra de Robertson, no ano passado, é um defensor fervoroso do humor, e se diz incomodado com a sua escassez nos dias atuais, sobretudo na publicidade, como quem come um prato frio e insosso. Neste bate-papo, ele comenta a novidade no Cannes Lions, cita campanhas que souberam usar o humor e comenta sua relação com ele, lembrando que usar o humor pode ser arriscado, inconveniente ou até não fazer rir. Mas que uma ideia ruim costuma ser muito mais.
#1 O que você achou da criação de uma subcategoria dedicada ao uso do Humor no Cannes Lions? Tem sentido?
Marcos Apóstolo – Eu poderia começar dizendo que é uma piada, mas não é. Uma coisa é valorizar todas as formas de emoção para provocar empatia, impacto, lembrança, simpatia, sedução; uma ideia pode tomar a forma de fazer rir ou chorar, mas ambas condizem com a necessidade da mensagem e qual delas melhor se adequa. Você pode ter num mesmo filme, por exemplo, esses dois momentos de emoção, choro e riso. Olhando essa proposta de Cannes, temos duas formas de ver: valorizar o humor na publicidade ou salvar o humor categorizando. Temo que a segunda opção seja um salva-vidas de algo que não deveria ser estigmatizado. Por que tirar o humor do lugar que é apenas uma das formas e muito boas de cativar o público? É uma defesa do humor? Mas ele precisa ser defendido? Ele não deveria ser encarado como um dos artifícios de sedução? Celebrar é uma coisa. Mas essa proposta não me parece ter vindo somente de uma valorização. Parece mais uma resposta diante da falta de humor ou “permissão” para seu uso na propaganda. Desse jeito, vamos acabar tendo categorias de criações por estilo, como no cinema. Seria tipo assim: Na categoria “Rindo muito até agora, o Leão vai para…”. Ou talvez avancemos também para a categoria “Me fez chorar até desidratar…” Tudo bem; estou tentando ser engraçado, mas vejo essa solução como um paliativo: ”Gente, olha como o humor é duca; tem até uma premiação pra ele!”. E os comerciais continuam na sua vida real, sem graça. Ainda não sei se essa ideia é pra rir ou pra chorar. Mas vai ter mais uns bons euros gastos pra fazer mais gente rir em Cannes.
#2 Como você enxerga o uso ou a falta de uso do humor hoje na publicidade?
Marcos Apóstolo – Acho que o humor foi sendo encurralado de várias formas. E por quê? Porque presume-se que o humor deve partir de uma mínima ousadia provocativa. Fazer rir não é fácil, dizem os maiores atores. Humor sem dar uma cutucada não tem graça. Humor exige que alguém se dê mal para o outro rir. E veja: não estou falando do extremismo do humor do stand-up comedy, que mexe com assuntos polêmicos. E acho até que isso é uma questão relativa, porque há bons e ruins stand-ups. O stand-up constrói o constrangimento até para denunciar aquele ponto polêmico que ele aborda como piada.
Essa pergunta pode levar a mil considerações, mas acho que o que temos hoje é um perfil de comunicação conservadora, construída em cima de preconceitos com o humor e uma certa “tranquilidade” por parte de quem aprova; “Não vamos tanto assim não; deixa menos engraçado”. Tipo assim; “Bota menos sal na comida; quer dizer, tira todo o sal que ainda dá pra comer assim mesmo”. E passamos ao ponto de nem propor.
O humor é risco, porque tem que ser inteligente sem parecer que é. Temos um exemplo recente do Burger King com o ex-ator pornô, Kid Bengala. O Burger King sempre foi ousadamente engraçado e sempre se destacou e ganhou notoriedade pelas suas mensagens e ações nessa levada. Houve uma reação ao uso do comparativo – tamanho “do vocês sabem bem o que“ comparado a fartura do produto. Um pornoburguer.
A gritaria, que só é possível pela força e o território opinativo das redes sociais, fez o Burger King recuar. É o que diz a lenda. Certamente, gerou ainda mais presença da marca, pelos que condenaram e por aqueles que alimentaram a piada. A pergunta é: esse exemplo serve para quê? Para reforçar aqueles que dizem “viu no que dá brincar” ou para aqueles que olham pelo ângulo “viu no que dá ousar”? Risco sempre existe. Alguém acha que o Burger King vai recuar na forma de ver a sua comunicação? Espero que não. E não acredito que ninguém deixou de comer hambúrguer por causa disso. E olha que lá nem vende cachorro-quente. Imagine se vendesse. Aí seria duro de engolir pelos conservadores e defensores dos bons costumes.
#3 Qual a sua relação pessoal com o uso do humor?
Marcos Apóstolo – Simples: a piada é boa ou ruim. A piada cabe ou não cabe. A piada é nova ou reinventada. “Rir,” – como dizia uma seção de humor de uma antiga publicação que eu não vou revelar pra não entregar a idade – “é o melhor remédio”.
Fazer alguém sorrir nesse mundo emburrado e humanamente desastroso é um feito. Fazer rir então, é um milagre. Gosto tanto do que me faz rir como aquilo me faz refletir ou até mesmo, me emocionar ao ponto do choro, não da tristeza, veja bem. O humor faz parte da vida; ele não está à parte da vida. E tem gente que é difícil de se permitir rir. O humor de qualidade quebra resistências. Adoro rir. Adoro fazer o outro rir. Viva o humor. O ser humano nunca precisou tanto dele.
#4 Que campanhas da Binder que se valeram do humor recentemente você destacaria?
Marcos Apóstolo – Uma campanha da Binder para a Poupança Caixa, explorou com humor, profissões de risco como contraponto da segurança que eles encontravam na Poupança Caixa. Outra aproveitou o momento de final de ano associando o seu estado de espírito aos produtos da rede HORTIFRUTI Natural da Terra, tipo, fica um bagaço na noite de ano novo e assim por diante. Vale sempre lembrar que até o humor provoca níveis diferentes. Uns farão sorrir, outros farão rir e outros, podem ser levados a deslocar o maxilar. Tudo isso é humor; tudo isso traz um momento de felicidade na experiência com a marca. O humor derruba barreiras e aproxima pessoas.
#5 Quando o humor não é recomendável, na publicidade?
Marcos Apóstolo – Não acredito nisso. Nem se recomenda nem se descarta. Cabe saber a hora de usar. A pergunta tem uma pegadinha, mas eu vou mais longe. Ela poderia ser “quando uma ideia original, uma ideia provocativa, não é recomendável na publicidade?” Foi nessa categoria que o humor acabou caindo; se tem humor, é arriscado. O humor pode ser inconveniente? Sim, pode. Mas uma ideia ruim, sem graça, pode ser muito mais.
O humor não é só algo engraçado. Ele é um atalho informal para fazer você pensar em algo que eu quero que você pense. E pensando, decida me escolher. Dizem que onde não existe o belo, o humor é a principal forma de sedução. E se o belo cansa, o humor se renova. Porque ele pode falar de algo sério sem precisar ser mais sério que o próprio assunto. Na última edição de Cannes, tinha um filme que abordava a volta das pessoas à vida no pós-pandemia. Várias pessoas enclausuradas, se encontrando de novo, conhecidas ou não, se abraçavam e cantavam ao ar livre, quase numa era de Aquarius…até que um homem e uma mulher se esbarram e demonstram o desejo entre eles, mas… e como estaria o hálito depois de tanto tempo enclausurados? O homem saca a pastilha salvadora; pega uma e oferece outra pra ela. Eles chupam as pastilhas e se beijam! Quer assunto mais tenebroso que a pandemia? E por que não inspirar a esperança do retorno à vida com humor? Por último, vou lá atrás, no tempo em que se fazia anúncio impresso e cato esse para uma campanha do jornal Estadão que dizia o seguinte (era all-type); “Eu odeio oligopólios. E quando eu souber o que é isso, vou odiar mais ainda”. E fechava o anúncio com a frase: “É melhor você começar a ler o Estadão”. O humor para vender um jornal sério. Vale, não? Nos tempos atuais, nada mais apropriado do que o nome de um excelente programa com o saudoso Jô Soares: “ Faça humor, não faça guerra”. Infelizmente, falta o primeiro, sobra o segundo.